A culpa ainda é da vítima?
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(Artigo do Jornal Zero Hora do dia 13 de junho de 2005)
A culpa ainda é da vítima?
PEDRO RUAS/ Advogado
O jornal Zero Hora do dia 9 deste mês, trouxe a notícia de um julgamento importante, ocorrido na 1ª Vara Cível do município de Alvorada (RS). Em uma ação indenizatória, a família de Valcir Frigi alegou que sua morte ocorreu em função de enfisema pulmonar decorrente do tabagismo, pleiteando uma indenização por danos materiais e morais contra as empresas Phillip Morris Brasil e Souza Cruz. Pelo resumo publicado da sentença, conclui-se que restou provado que a doença fatal se desenvolveu em função do consumo de cigarros durante muitos anos e, apesar disso, o juiz negou a pretensão dos herdeiros sob o argumento de que "a improcedência da ação vem amparada na culpa exclusiva da vítima, já que, conhecendo os malefícios que o hábito de fumar poderia acarretar, mesmo assim permaneceu fumante por muitos anos, sendo evidentemente possível parar com o consumo de cigarros como milhões de fumantes já o fizeram".
Não conheço os autores da ação, nem o juiz que proferiu a decisão. Tampouco advogo na área cível, pois atuo somente na Justiça do Trabalho. Contudo, salta aos olhos que a sociedade deve preocupar-se com esse posicionamento, já que é divergente dos avanços mundiais no exame em tal tipo de matéria. Na verdade, quanto mais desenvolvidos os países, maiores têm sido as punições para as empresas que produzem e estimulam - principalmente entre os jovens - o consumo de cigarros, o que leva à conclusão de que a capacidade de punir os produtores é um dos critérios de avaliação de desenvolvimento de cada sociedade.
Como a matéria é pública, pode-se afirmar que a sentença desconheceu os estudos que nortearam a inclusão do tabagismo como doença mental, o que retira da maioria dos fumantes essa suposta capacidade de parar de fumar quando quiserem, mesmo que alguns consigam fazê-lo. Também ignora a sentença que a nicotina é um elemento químico cuja ausência, por minutos ou horas, comprovadamente produz síndrome de abstinência, com sintomas que variam em cada indivíduo, isto sem falar no fumante passivo, que não tem alternativa de deixar de fazer o que já não faz, além daqueles que, mesmo superando o tabagismo, terminam doentes em decorrência do período em que anteriormente foram fumantes.
Décadas atrás de outros países, o Brasil ainda engatinha nas medidas de combate ao cigarro, tendo conseguido, há pouco tempo, legislação restritiva da propaganda indiscriminada de seu consumo. Assim, é preocupante uma sentença que anda na contramão da História, o que se espera que seja um caso isolado das demandas semelhantes que os tribunais pátrios ainda vão examinar. Nesse tema, como em outros, o avanço nunca é culpar as vítimas, mas, sim, quem as produz.
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